sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Diferenças gritantes (crônica)

Sentado em minha cadeira de balanço, curto merecida aposentadoria, após quase quarenta anos de intenso trabalho. Penso na vida que já me espia com seus primeiros raios crepusculares, desfrutando do conforto da remuneração desigual. Usufruiria os prazeres seculares mais confortavelmente, se tivesse ocupado cargo eletivo como deputado do estado mais pobre do Brasil.

O rangido da velha cadeira é um dos poucos sons que ouço em meus momentos de meditação. Excetua-se o trinado mavioso dos passarinhos que frequentam meu jardim, em busca de água e comida.

O cântico da passarinhada lembra-me barulhentos cantores que se multiplicam por este Brasil alegre e festeiro. São proprietários de grandes fortunas, adquiridas com a mesma rapidez com que sacodem o corpo e balançam os quadris em shows de concorrida frequência.

Em outra direção, vislumbro gente igualmente famosa e rica. São os apresentadores de televisão e os jogadores de futebol; os primeiros ganham a vida com a audiência do telespectador menos esclarecido, que se diverte com a revelação da intimidade de pessoas humildes e desprovidas de bom senso; os segundos amealham fortunas com o uso dos pés, e ainda são chamados pela imprensa de “rei”, “imperador” e “fenômeno”, como Pelé, Adriano e Ronaldo.

E ainda restam os pilotos de fórmula um, com seus macacões coloridos e carros barulhentos, em cujas contas bancárias o dinheiro também abunda.

Após muito refletir, pergunto-me: é justo um ator, cantor, apresentador de televisão, pilotos das Fórmulas 1 e Indy ou jogador de futebol receberem centenas e até milhares de vezes o que o percebe o trabalhador, em sua labuta diária, árdua e estressante?

Comparados aos executivos de empresa privada, médico, advogado ou engenheiro, profissionais revestidos de robustos conhecimentos, obtidos em cursos de longa duração, difíceis e caros, eles ganham excessivamente.

O profissional competente, de qualquer área do conhecimento humano, merece remuneração justa. Os atores, cantores, apresentadores de televisão e jogadores de futebol, também.

A grande diferença entre uma e outra remuneração é que faz a desigualdade ser grande.

Salários ou rendimentos excessivamente altos são fatores inflacionários, pois todos pagam o preço dos milionários contratos firmados com essas celebridades, quando chamadas a divulgar produtos e serviços.

A economia seria beneficiada com remunerações menores, que não exorbitassem os valores justos atribuídos à inteligência, à capacidade e ao profissionalismo individual de seus portadores. Assim, os preços dos produtos e dos serviços seriam reduzidos e o consumo aumentado.

Isto, sim, seria um fenômeno.

Fenômeno não é um fato de natureza social?

Não é o objeto da experimentação?

Experimentemos, pois, não elevar às alturas as remunerações dessa privilegiada elite, e, quem sabe, as diferenças se tornem menos gritantes.

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