sábado, 31 de outubro de 2009

O taxista (conto)

O táxi corria pelo asfalto cheio de buracos e depressões, a uma velocidade de cinqüenta quilômetros por hora. Vicente, o motorista, transitava pelas imediações do aeroporto quando foi abordado por um passageiro:

– Táxi! Táxi!

O veículo parou. Um elegante senhor abriu a porta traseira direita e entrou. Sentado junto à porta, colocou a pasta tipo executivo sobre os joelhos, protegida pelas duas mãos. Olhou para os lados, talvez preocupado com alguma presença indesejável. Então, ordenou ao taxista:

– Rua das Camélias, bairro da Independência, por favor!

– Pois não, senhor! – respondeu Vicente, depois de olhar para trás e verificar se o passageiro estava bem acomodado. Voltou-se para frente e pôs o carro em movimento.

O táxi seguia o percurso indicado. Vez ou outra, o motorista olhava pelo retrovisor e via aquele cavalheiro sentado, com ares de muita apreensão. A cada instante olhava para os lados, consultava o relógio, inquietava-se. As mãos fortes seguravam cuidadosamente a pasta que transportava.

Disposto a iniciar o costumeiro diálogo com os passageiros, às vezes para por fim à monotonia ou simplesmente por curiosidade, Vicente perguntou:

– Vem de São Paulo?

– Sim.

Fez-se um pequeno silêncio, interrompido pela voz do taxista que insistia em dialogar:

– Quer usar o celular? É cortesia da “casa” – disse, ao erguer a mão direita e exibir o telefone enquanto novamente olhava pelo espelho retrovisor. - O senhor parece tenso. Algum problema?

– Não. É que estou ansioso para chegar. Tenho muitas coisas a fazer. À noite, darei uma festa para recepcionar um empresário paulista. Um amigo, com quem mantenho relações comerciais.

Algum tempo depois, o silêncio foi novamente quebrado, dessa vez pelo passageiro que anunciou:

– Finalmente, chegamos! Pode parar. É essa casa da esquina – disse, com o dedo indicador da mão direita apontado para uma belíssima mansão de dois pavimentos. Em seguida, retirou da carteira uma cédula de cinquenta reais, com a qual pagou ao taxista.

Vicente parou o táxi em frente da casa, um palacete construído com esmero, bem ajardinado e alegre. Parecia uma dessas construções caríssimas, exibidas em filmes de luxo.

– Trinta reais! – anunciou o motorista, ao zerar o taxímetro. – Como é mesmo o seu nome, doutor?

– Pereira. José Pereira. – Muito obrigado. Esqueça o troco! – respondeu ao sair.

O passageiro retirou-se rapidamente. Segurava a pasta em baixo do braço esquerdo, apoiada pela mão direita. Renovava, assim, o excesso de cuidado com o objeto que conduzia.

***

À noite, por volta de vinte e uma horas, a festa foi iniciada na casa do doutor Pereira. Havia muita gente; a maioria políticos e empresários. Carros de luxo, homens elegantes e senhoras bonitas davam o tom alegre do ambiente. Doutor Pereira e sua mulher, dona Silene, recebiam os convidados efusivamente.

O banquete começou ao som de muita música. Os cumprimentos entre os convidados, as conversas de “pé-de-orelha” e os beijinhos trocados entre os participantes confirmavam a hipocrisia peculiar aos políticos.

No grande salão, ricamente ornamentado, eram servidos os mais variados drinques: bom uísque e excelentes vinhos. Canapés deliciosamente recheados, caviar, salmão e outras finas iguarias completavam a exuberância do acontecimento.

O grande relógio fixado à parede da sala, onde se viam magníficas obras de Picasso, Van Gogh, Rembrandt e bom número de peças de arte, de autoria de renomados escultores, soou estridentemente.

Eram vinte e três horas.

O jantar seria servido em seguida.

Os convidados conversavam descontraidamente, até serem chamados pela anfitriã para tomarem assento às mesas. Nesse instante, determinado cavalheiro, de nome Enéas Ricaço, passou mal e caiu ao chão, desfalecido. O conteúdo do copo que trazia à mão sujou o rico tapete Persa que ornamentava a sala.

Grande alvoroço tomou conta do recinto.

Alguns médicos acorreram de imediato, na tentativa de assistir à vítima.

– Morto! – revelou o doutor Saudelino, que tomara o pulso do senhor Enéas e consultara-lhe a carótida. – Definitivamente morto! – disse o médico aos circunstantes.

Enéas Ricaço era conhecido empresário de São Paulo; explorava o ramo da construção civil. Viera à cidade participar de negociações com o governo local. Tratava-se de licitação para erguer uma majestosa ponte sobre o Lago Sulino, obra que aproximaria distâncias, valorizaria imóveis da região e traria, sem dúvida, grandes dividendos políticos ao prefeito da cidade.

– O que terá acontecido, meu Deus? – gritou o doutor Pereira, desconsolado.

O morto estava estendido no chão, os olhos abertos, como se estivessem a fitar o teto ricamente iluminado por lustres de cristais importados da Europa.

– Enfarte fulminante? – perguntou outro empresário, sem obter resposta.

– Chamem uma ambulância! – gritou alguém, suspendendo o defunto pelos ombros.

A ambulância chegou e o corpo do doutor Enéas foi removido para um hospital de luxo. Embora morto em circunstâncias desconhecidas, não iria para o IML. Sua mulher não permitiu que o marido fosse aberto como um frango, a exemplo do que acontecera às vítimas do massacre do Carandiru.

O deputado Louis Américo Flary, presente ao acontecimento, sentiu-se constrangido com a citação da senhora; pigarreou por duas vezes e bebeu, de um só gole, todo o conteúdo do copo que trazia à mão.

A polícia foi chamada com certa demora.

O corpo já havia sido removido e pouco restava a fazer. A festa acabou e as especulações recomeçaram.

– Acho que o Ricaço foi envenenado!

– Como assim? Por que você desconfia?

– Não sei. Essas concorrências… muito dinheiro… resultado conhecido por antecipação… – respon-deu, insinuativamente, um dos convidados.

– Quem sabe, um concorrente alijado do processo licitatório? – insistiu outro, sem encontrar apoio aos seus comentários.

– Não gostaria de falar mais sobre o assunto – finalizou certo construtor, disposto a encerrar as especulações.

Às três horas da manhã, depois das diligências policiais de praxe, em que foram interpelados poucas autoridades presentes e todos os serviçais – garçons principalmente –, não restava mais ninguém na casa, exceto os respectivos moradores.

A residência, horas antes alegre e festiva, parecia uma capela fúnebre, com o ambiente pesado, triste, quase escuro, assustador, fantasmagórico.

Os médicos atestaram, posteriormente, que Enéas Ricaço morrera de infarto.

Simples, assim.

***

A licitação para construção da terceira ponte realizou-se no dia seguinte, mesmo sem a presença do doutor Enéas, o que seria impossível. Estava morto. Foi representado por doutor Pereira, executivo maior da empresa.

Divulgado o resultado, veio a confirmação: a Organização Ricaço saíra vencedora. Iria executar a construção pelos setenta milhões de reais orçados, certa de chegar ao dobro ou até mais com os reajustes posteriores. Era o que sempre acontecia nas negociações entre governo e empreiteiras.

Vicente, o taxista, passava em frente ao palácio da prefeitura, onde se realizou a licitação, quando ouviu uma voz.

– Táxi! Táxi!

O motorista parou o veículo. Nele, entrou um senhor de cabelos grisalhos, com uma pasta executiva que fez Vicente lembrar a do dia anterior, conduzida por doutor Pereira. Ao entrar no carro, o passageiro colocou-a no banco traseiro em que se sentara. O gesto brusco fez a maleta abrir-se inesperadamente, revelando o conteúdo de milhares de reais. O passageiro apressou-se em fechá-la, sob o olhar atento do motorista pelo retrovisor.

“Aí tem!” – pensou Vicente, certo de que, brevemente, ouviria falar de mais uma licitação fraudada.

Uma prática sem fim.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Revivendo o passado (crônica)

Segundo a família, fui um garoto esperto, estudioso, inteligente e observador. Verdade? Não sei. Como afirmar se os parentes não exageraram em suas observações? Particularmente, já enalteci a qualidade dos filhos, superestimei-lhes os feitos e minimizei-lhes os erros.

Os netos?

Como são inteligentes!

Fui o segundo colocado no Exame de Admissão ao Ginásio, espécie de vestibular da época. O exame foi realizado no Colégio Salesiano Padre Rolim, na cidade de Cajazeiras, educandário que contou em seu corpo discente personalidades como o padre Cícero Romão Batista – “meu padim Pade Ciço” – e o primeiro cardeal da Igreja Católica no estado da Paraíba, Dom Arcoverde.

Sempre gostei de ler. Depois do trabalho e das horas ocupadas na escola, lia bons livros da literatura doméstica. Conheci obras de José de Alencar, Machado de Assis, Jorge Amado e José Lins do Rego, este, um conterrâneo de quem me orgulho, como o faço, por justiça e reconhecimento, referindo-me a outro ilustre patrício, José Américo de Almeida, renomado escritor de sua época.

Encarei o futuro com olhos progressistas.

Aos treze anos, trabalhava para ajudar a família necessitada, o que me serviu para aperfeiçoar as aptidões latentes. Meu primeiro emprego foi em loja especializada em peças e acessórios para automóveis. Pertencia a um tio, de saudosa memória, um dos poucos da família que se projetou no cenário empresarial do nosso estado, a Paraíba. Os demais parentes de quem herdei o bom caráter, a disciplina e a vontade para o trabalho eram pobres, porém honrados.

Não passei muito tempo atrás do balcão.

Logo me senti cansado de entregar mercadorias transportadas na cabeça. Recebia pelo serviço uns poucos trocados, com os quais tomava minha gelada de coco com pão doce, após disputá-lo com as moscas que infestavam o fiteiro do Galego, comerciante de parcos recursos e de obstinada disposição para o trabalho, mas que não logrou êxito financeiro na vida.

Jamais vi a luta do Galego como desestímulo. “Se ele não venceu os obstáculos, eu os venceria”, pensava, nos arroubos da juventude. Era pobre tanto quanto ele, mas me dispus a trilhar caminhos mais ousados.

Larguei a atividade de entregador de mercadorias e fui trabalhar em um escritório. Passei a ser Office boy. Nome pomposo: Office boy!

Já adolescente, entre os quinze e os dezesseis anos, vaidoso, camisa de mangas dobradas para ressaltar os músculos (e que músculos!), cabelos lustrosos à custa de muita brilhantina, não mais temia ser visto por algum colega de escola, carregando caixa na cabeça. Se me vissem, ver-me-iam vestido mais apuradamente, portando alguns envelopes com destino à agência dos Correios.

A quem me perguntasse onde trabalhava, enchia o peito de orgulho e dizia: “trabalho na Mesbla, empresa estabelecida em Recife, na Rua da Palma, e no Rio de Janeiro, na Rua do Passeio, entre outras importantes cidades do Brasil. Uma multinacional, originalmente pertencente aos franceses Mestre & Blagè, até tornar-se Mesbla em sua versão brasileira”.

Falava assim, com entusiasmo, sem arrogância, mas feliz com a minha ascensão funcional.

Em meu novo trabalho, após varrer o pequeno escritório de vendas, arrumava as mesas e atualizava as listas de preços; depois, sentava-me à máquina de escrever e iniciava o meu treinamento.

Não aspirava ser um “dedógrafo” qualquer. Queria ser datilógrafo, bater as teclas com os dez dedos, conforme desenho de uma mão em que foram grafadas as letras que cada dedo deveria pressionar. Tudo certinho.

Com o passar do tempo, tornei-me excelente datilógrafo. Assim, deixei de ser Office boy. Ambicioso, no bom sentido, desejava mais. Gostaria de ser como o colega Luiz, encarregado da correspondência oficial da empresa. Era ele que escrevia as cartas endereçadas à filial de Recife e eu as datilografava.

Também almejava ser igualzinho ao meu chefe Eládio, que costumava trajar ternos de linho diagonal L-120. Eu iria vencer! Um dia, vestiria ternos iguais àqueles. O cérebro gravava essas mensagens, enquanto os dedos batiam impiedosamente na velha máquina Underood, cada vez mais velozes.

Depois de estudar gramática portuguesa e de ler cartas em estilo comercial, em um livro que me custou dias do salário, senti-me feliz ao redigir e datilografar a missiva que solicitava da filial a minha promoção a “datilógrafo-correspondente”.
Naquele momento, dava meu segundo passo rumo a uma posição mais destacada. Tornara-me igual ao Luiz, que deixara a empresa para assumir um cargo no Banco do Brasil. Tempos depois, eu faria o mesmo.

Entregador de pacotes.

Office boy.

Datilógrafo.

Datilógrafo-correspondente.

Depois, chefe.

Tornei-me chefe. Como? Troquei os pacotes pela vassoura e esta pela máquina de escrever e pela redação da correspondência oficial da empresa. Substituído por outro jovem, que passou a ser o novo boy, tornei-me seu chefe, já que passei a ser o terceiro na hierarquia funcional, constituída de quatro pessoas. Ele era o funcionário mais novo; o último, inclusive na escala salarial. Ainda hoje, quando me vê, diz para os nossos circunstantes: “Este já foi meu chefe”, e conta-lhes a história da minha progressão funcional.

Aquele ex-colega começou varrendo o chão; anos depois, trocou a vassoura por uma caneta com a qual assinaria importantes documentos como representante de um dos Poderes de nossa Nação.

Esse meu “ex-subordinado” exerceu o cargo de procurador da República, em Brasília. É um homem de grande saber jurídico, vitorioso após a infância órfã e pobre como a minha, vivida na cidade onde estudamos no mesmo colégio.

Ele, de quem não citarei o nome sem sua permissão, também não fez como o Galego, que continuou vendendo sua gelada de coco.

Assim, como funcionário de Mesbla desde os quatorze anos, fui dispensado aos dezessete, quase próximo a completar dezoito. Deixei o emprego para iniciar nova etapa de minha vida. Por ser bom datilógrafo, reconhecido em um mercado de poucos concorrentes, fui convidado para trabalhar no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, na cidade de Orós, estado do Ceará.

Ali estava sendo reiniciada a construção de uma monumental obra hidrográfica, colossal monumento que viria armazenar, três anos mais tarde, dois bilhões de metros cúbicos de água. Seria a redenção do Nordeste, nas palavras de políticos capitaneados por Juscelino Kubitschek, continuador da obra iniciada no governo de Epitácio Pessoa.

O desafio de barrar o maior “rio seco” do mundo, o Jaguaribe, também me contagiou. Contratado co-mo datilógrafo, após ter sido autorizado por minha mãe, que me nomeara um tutor com mandato a ser exercido em plagas cearenses, voltei a usar a máquina de escrever como ferramenta de trabalho, atividade praticada durante dez horas diárias, por mais de três anos.

O Clidenor, que me fizera o convite para trabalhar no DNOCS, um garoto como eu, que ansiava por melhores condições financeiras, fazia dupla comigo nas Olivettis que por pouco resistiram aos nossos dedos ágeis e certeiros, pressionando suas teclas de onde saíram, mensalmente, as folhas de pagamento de mais de dois mil operários.

Em Orós, como empregado do DNOCS, não tive nenhuma ascensão funcional; apenas as finanças melhoraram, graças ao salário bastante generoso e à carga de trabalho excessivamente pesada.

Naquela repartição, iniciei e terminei minha carreira como datilógrafo, experiência que contribuiu para aprovação em concurso do Banco do Brasil, quando bati o texto uma vez e meia durante o tempo concedido para testar essa habilidade.

Cheguei aonde chegou o Luiz, meu antigo colega da Mesbla. Trabalhei nessa instituição por onze anos, antes de trocá-la pela atividade privada, como profissional na área de contabilidade.

Formado em ciências contábeis, deixei o Banco do Brasil para ser auditor independente. E o fui por muito tempo, inclusive quando exercia a profissão paralelamente como auditor concursado de empresa pública federal, até à aposentadoria hoje desfrutada com certo conforto.

O tempo passou, como não poderia ser diferente. O menino pobre, órfão de pai aos seis anos de idade, que entregou pacotes transportados na cabeça; que varreu o chão e transmitiu recados; que usou a máquina de escrever como poucos o fizeram; que deixou de ser Barnabé e funcionário do Banco do Brasil; que foi auditor independente e de empresa pública, agora está aposentado e em condições de dizer, como o fez Napoleão Bonaparte, do alto de uma Pirâmide, no Egito, parodiando Júlio César: “fui, vi e venci”.

Entregador de pacotes.

Office boy.

Datilógrafo.

Datilógrafo-correspondente.

Barnabé.

Funcionário do Banco do Brasil.

Auditor independente.

Auditor de empresa pública federal.

Aposentado.

E agora?

Resta-me aguardar a morte chegar!

Enquanto ela não vem, dedico-me à literatura; leio e escrevo, talvez para confirmar que a vida é uma eterna mutação.

O mundo dá muitas voltas, já disse alguém de experimentado saber.

Há sempre o retorno ao ponto de partida.

Não é assim, quando envelhecemos e voltamos a praticar atitudes senis, assemelhadas às de uma criança? Pois bem, termino exatamente como comecei: escrevendo. Apenas troquei de teclado – o da máquina de escrever pelo do computador.

A vida é assim.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Fotografia social (conto)

A idade avançada e a aposentadoria afastaram-me do convívio dos colegas de trabalho. Levaram-me a dias solitários e tristes. Recolhi-me à rotina doméstica, ao lado da mulher, mergulhado em lembranças distantes, nem sempre felizes.

Depois de algum tempo, refugiei-me na casa de uma filha, aborrecido por familiares insatisfeitos com a minha presença.

O neto e o genro me consideram inválido.

“Velho chato” – diz o garoto, revoltado com minhas reclamações; “não é assim, seu Leandro” – ensina o genro, que se julga mais inteligente; “aí não, papai. Oh, meu Deus!” – retruca a filha, após tomar-me das mãos um objeto que eu mudara de lugar.

A aposentadoria é para o velho prêmio e castigo.

Principalmente castigo.

Por residir com parentes, estou sujeito a constrangimentos que quase sempre magoam. Cansado de tudo, tomei uma decisão: diariamente, depois do desjejum, visto o velho casaco de lã, ponho a boina recebida de presente no último Natal e vou à cidade, de ônibus.

Tenho direito ao passe livre, em virtude da idade avançada.

Agradeço a Deus pela saúde. Do contrário, seria obrigado a interromper esse hábito de grande importância para mim. Afinal, foi assim que me livrei da solidão e evitei os aborrecimentos e as irritações, ao ver as coisas em casa mal conduzidas, realizadas com desleixo, com má vontade. O desperdício de dinheiro era o mais incômodo. Ninguém ouvia a opinião, os conselhos ou as observações que a experiência dos anos me concedeu.

Minha mulher é uma santa criatura. De nada reclama e ainda dá razão aos outros membros da família. Eu, sim, sou o desajustado, o problema. Deixei de sê-lo, portanto, num dia de insuportável convivência. A partir daí, adotei a decisão de sair à rua todos os dias.

Ao entrar no ônibus, cumprimento o motorista, conhecido de longa data. O condutor tudo faz para evitar que eu use o veículo do patrão, cuja linha fora obtida por regime de permissão, graças a favores políticos. Não me incomodo com o seu desprezo por mim. Preocupo-me, sim, com minha segurança, ameaçada quando ele resolve partir antes de eu adentrar completamente à viatura. Ao invés de repreendê-lo, esboço um sorriso, acompanhado de sonoro “bom dia!”.

O motorista não responde.

Sempre fica irritado com minha presença.

E com a de outros velhos que, como eu, não pagam a passagem.

Dentro do ônibus viaja gente de todo tipo. Honrados trabalhadores misturam-se aos marginais que circulam livremente pela cidade. A maioria veste calças jeans e blusas de malha com propaganda de empresas ou de candidato a deputado em eleições passadas. A mochila levada a tiracolo serve para guardar apetrechos de trabalho; no caso de meliantes, esconde a arma que poderia tirar a vida de qualquer de nós que ali somos transportados, sem nenhum conforto e quase nenhuma consideração.

Dificilmente, viajo sentado. Os passageiros não reconhecem o direito do idoso, desrespeitado até pelo agente público. Ruim é quando estou sentado em uma poltrona, com o assento prestes a rasgar, as molas do estofado ameaçando-me beliscar as nádegas ou o vizinho do lado fica a palitar os dentes, a mascar chiclete ou a brincar com a prótese dentária, fazendo-a entrar e sair da boca, num ritual nojento e deseducado.

Nessas viagens diárias, já presenciei muitos acontecimentos deprimentes, inusitados e prosaicos. As discussões são raras e quando acontecem é porque o passageiro que viaja em pé descuida-se e deixa suas “partes” tocar as da mulher acompanhada do marido.

Viajando sozinha, dificilmente reclama.

O ônibus pára e eu desço na praça principal da cidade, local de grande movimento. A aglomeração humana é intensa, com pessoas transitando de um lado para outro, algumas apressadas, outras esquecidas do tempo, descontraídas e displicentes.

Os banquinhos são dispostos em diversos lugares, protegidos do sol pelas árvores que oferecem sombras generosas como abrigo, porém sujos do esterco dos pombos que infestam a região.

Costumeiramente, procuro um papel dos muitos que poluem o logradouro e esvoaçam ao vento, a fim de limpar a sujeira dos columbídeos. Sentado, cruzo as pernas e leio pedaços de folha de velhos jornais.

Já me aconteceu de sujar as mãos com o cocô dos pombos, esquecido de que aquele pedacinho de papel servira para limpá-lo minutos antes.

É assim que vejo o tempo passar.

Ocupo as horas com os acontecimentos do dia, protagonizados por pessoas de caráter restritivo ou extremamente condenável.

Leio bobagens divulgadas pela imprensa. Certa vez, li o seguinte:

“Linda garota, seios fartos, lábios voluptuosos, pernas longas e torneadas, bumbum arrebitado, dezoito aninhos, ‘primeira rodagem’ (assim mesmo, entre aspas, para chamar atenção). Serviço completo”. (desse jeito, grifado)… Outro anuncia: “rapaz loiro, olhos azuis, musculoso, b… d…, atende ambos os sexos…”

Aquele pedaço de jornal pareceu-me tão sujo quanto os excrementos dos columbídeos que eu acabara de limpar.

O mundo é nojento, ressalvadas as exceções. A prostituição juvenil espalha-se como praga. Os jovens optam pela libertinagem, pela luxúria, incentivados pelos programas de televisão e pelo prazer desregrado, que poderá contagiá-los por doenças incuráveis, como a AIDS, e até levá-los à morte.

“Dezoito aninhos”!

Fiquei com aquela expressão gravada na mente e lamentei o destino da jovem ninfeta, ainda quase criança.

O banquinho em que costumo sentar é sempre o mesmo, construído de concreto e de cor escurecida pela fuligem do asfalto. Embora de estrutura maciça, revela pequena depressão, decorrente do peso dos corpos obesos. O meu, particularmente, é bastante pesado.

A obesidade parece ser própria dos velhos. Minha família, infelizmente, tem essa característica genética.

Sentado há alguns minutos, fui procurado por uma moça, cuja idade não ultrapassava os vinte anos. A garota trazia uma criança de alguns meses escanchada na cintura, à moda dos índios. Era jovem e não se apresentava suja e maltrapilha como a maioria dos pedintes.

Confidenciou-me alguns particulares de sua vida. Era nordestina do Piauí. Segundo ela, há quase dois dias nada comia de substancial e por isso me pedia uma refeição qualquer. O filho comera biscoitos e restos de sanduíches ofertados por algumas pessoas.

Respondi àquela senhora que minha capacidade financeira era de pouca valia, pois, como aposentado, recebia “proventos-de-fome”.

Ao pronunciar o nome dado à minha modesta aposentadoria, lembrei-me do programa Fome Zero, que o governo alardeia como principal realização, sem conseguir implementá-lo de forma adequada.

Incrédula, a moça me fez uma proposta:

– Por dez reais farei sexo com o senhor. Não se preocupe que saberei animá-lo, se precisar. Eu necessito desse dinheiro para completar a compra de remédio para meu filho. Por favor, ajude-me!

– Moça, disse-lhe eu, não se prostitua por tão pouco. Nem mesmo por muito. Mantenha a dignidade. Você poderá destruir sua vida pelo vírus da AIDS ou, no mínimo, resultará contaminada por outras doenças sexualmente transmissíveis. Não faça isso!

– O senhor parece diferente de outros com quem conversei a esse respeito. Eles é que me propõem essa alternativa vergonhosa. A necessidade obrigou-me. Acredite!

Ao final, aquela senhora chorava abraçada ao filho. Abri a carteira e entreguei-lhe a última cédula que possuía. Era o saldo de minha aposentadoria, recebida há poucos dias.

Naquela hora, renunciei ao almoço.

Mãe e filho foram embora. Segui-os com a vista, até vê-los desaparecerem por entre os transeuntes. Esperava não encontrá-la mais a mendigar em troca de favores sexuais.

Torci para aqueles dez reais serem aplicados na compra do medicamento.

Horas depois, já no início da tarde, um cidadão foi agredido por um trombadinha. O meliante roubou-lhe a carteira. O homem não resistiu, dominado pela surpresa.
Nenhum policial socorreu a vítima, embora dois deles patrulhassem as ruas. Conversavam animadamente no instante da agressão. Possivelmente, sobre as constantes derrotas do Flamengo.

Chegou a hora de voltar para casa.

Antes, porém, assisti a prisão de bandidos envolvidos em assalto frustrado; presenciei o furto de um automóvel estacionado em um canteiro de flores; ouvi o sermão de um pastor evangélico pregando sobre a libertação do pecado.

Os transeuntes não davam atenção à Palavra.

E vi mais:

Sob as marquises, mendigos e meninos de rua acomodavam-se para dormir nas próximas horas.

Os mendigos bebiam pinga.

Os garotos cheiravam cola.

Transpus o portão da casa da minha filha no início da noite.

Estava faminto e cansado.

O ônibus que me transportou, somente não foi assaltado graças à firme disposição de um policial à paisana. O militar abordou os marginais e abortou-lhes a ação criminosa.

Amanhã retornarei àquele logradouro.

Não sei se voltarei de lá em condições de narrar novos episódios da violência urbana que nos assola de maneira progressiva e assustadora.

Destino cruel (conto)

Maurício tornou-se caminhoneiro. Um profissional do volante. Antes, trabalhou pesadamente na lavoura.

Às vezes praticava forçado jejum, motivado por dificuldades de apoio operacional ou pelas finanças escassas que o impediam de regalar-se com nutritivas refeições.

A jornada era árdua, praticada debaixo do sol ou da chuva. Iniciou a vida no campo muito cedo, ainda criança. Ajudava ao pai e a outros três irmãos mais velhos, dos quais recebia vinte por cento dos ganhos obtidos por eles.

Aos treze anos, já dispunha de certa poupança, representada por algumas novilhas que adicionara às duas ou três recebidas do padrinho, fazendeiro bem sucedido que admirava a disposição do afilhado para o trabalho e o seu desejo de vencer na vida.

O jovem concluiu apenas o primeiro grau, ensinado por dona Maroca, professora de pouca escolaridade. A bondosa mestra sentia-se recompensada pelo esforço dos alunos em freqüentar as aulas à noite, à luz de lampião.

Maurício era um deles.

O rapaz ansiava por aprender a ler e um dia tornar-se motorista, profissão que muito o entusiasmava. Pensava em dirigir um caminhão igualzinho ao que Manuel transportava o gado do rico padrinho.

Dezenove anos; pronto! – decidiu Maurício. Agora tiraria a carteira de motorista, pois dirigia perfeitamente, instruído por Manuel, de quem se tornara amigo inseparável, até nas noitadas homéricas, ocorridas nas festas de peão de boiadeiro. Nessas ocasiões, Maurício nada gastava para economizar. Aqui e ali, filava um copinho de cachaça, oferecido pelo amigo.

Carteira de motorista à mão, conseguida sem restrições, pretendia conhecer a estrada. Gostaria de viajar por pistas asfaltadas, de alta velocidade, ouvir o ronco do motor de uma máquina “envenenada”, trucada, reluzente e ágil.

Ao longo da vida laboriosa, a única conhecida em seus quase vinte anos, amealhara recursos suficientes para pagar a parcela inicial do sonhado caminhão. Comprou o veículo em prestações mensais a serem quitadas com a renda de fretes que supunha suficiente. Ele era econômico e o seria mais ainda dali em diante. Dormiria na cabine do veículo, faria as próprias refeições às margens das estradas, rodaria noite adentro e tomaria comprimidos para afastar o sono.

O padrinho não faltou com o aval.

O caminhão rolava pelas estradas asfaltadas… nem tanto, esburacadas, sim, deste Brasil que muito cobra e pouco restitui ao cidadão.

Maurício dormia pouco.

Nada perturbaria seu sonho de ver o veículo quitado, quando, então, pensaria em casar. Desposaria moça de sua cidade ou a Ana Rita, linda morena com quem manteve breve romance ao estacionar na cidade de Ovídio, estado da Bahia.

Ele aproveitava as paradas para atender às necessidades do corpo e da alma, carentes de descanso e de carinho.

Passados os anos, optou por desposar a Ritinha, morena formosa e fogosa. As jovens conterrâneas eram provincianas demais para ele, agora proprietário de uma bela carreta Scania, de dezoito pneus, comprada novamente à prestação, porém sem o aval do padrinho. O revendedor garantiu a dívida com alienação fiduciária e oneroso prêmio de seguro.

Maurício viajava dia e noite; do contrário, não daria conta de pagar o veículo.

De tanto trabalhar, esgotou-se fisicamente; de tomar remédio em demasia, para evitar o sono nas viagens, esqueceu a saúde e terminou cego.

Cego, sem poder trabalhar, definhou e morreu.

A linda viúva pouco foi amada por ele.

Faltou-lhe tempo para a mulher.

Aos 26 anos, quase intocada pelo falecido marido, Ritinha dispôs-se a dirigir o caminhão. Primeiro, tratou de ter a bordo a companhia do jovem Artur, cuja preocupação maior era desfrutar a vida.

Artur não mediria esforços para satisfazer à Ritinha. “Daria conta do recado?” – perguntava-se, ansioso. Ele temia dar-se uma resposta negativa. A mulher era um “monumento”, desses bem bonitos, majestosos, que provocam dores no pescoço de tanto se contemplar.

Ritinha era linda.

Maravilhosa.

Sensual.

Que mulher!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Palavra por palavra (crônica)

A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é não ter o que fazer. Aposentado, com sessenta e dois anos, confirmados pelos traços marcantes deixados pelo tempo, nada tenho feito a não ser reclamar. Reclamo dos empregados, que cuidam da casa com desleixo; dos filhos, quando, irreverentes, contam “piadas de salão” em ocasiões inoportunas; da netinha, que teima em não me ouvir as reclamações, perturbando-me a leitura; do cachorro, que late sem parar; e do papagaio, que nada fala, mas grita estridentemente.

Há poucos dias, consegui na internet uma lista de nomes de pessoas tão incomuns e engraçados, quanto constrangedores e ridículos.

Crianças foram batizadas de Igualdade Fraternidade de Nova York; Um Dois Três de Oliveira Quatro; Sete Chagas de Jesus Salve a Pátria; Letsgo; Usnavy, esses últimos formados de palavras inglesas, bem ao gosto do brasileiro que, nos últimos tempos, usa mais denominações estrangeiras do que as nativas. É comum serem estampadas em placas e cartazes, palavras grafadas em inglês: Delivery; fast food; country music; hot line; e-mail; reality show e muitas outras.

É o analfabetismo nacional revelado em dois idiomas.

Incomodam-me os nomes de pessoas com suas vidas marcadas e submetidas a brincadeiras irreverentes. Também desaprovo o uso de expressões inglesas abundantemente usadas pelo brasileiro, que aderiu ao “portuglês”, mistura incompreensível e indigesta.

As palavras mexeram mesmo comigo, ultimamente. Acabo de manusear copiosa lista de frases com significados diferentes aqui e em Portugal.

Em visita a terras lusitanas, precisamos ter cuidado para evitar situações constrangedoras. Se alguém, lá, lhe chamar de “paneleiro”, estará dizendo que você é homossexual; mandando-lhe entrar na “bicha”, sugere-lhe a fila, bastante conhecida nos estabelecimentos bancários no Brasil; se um médico lusitano mandar aplicar-lhe uma “pica”, não tenha medo, pois, se estiver doente, você precisará da injeção receitada pelo doutor; após muito caminhar pelas ruas milenares de Lisboa, se sentir fome, coma uma “carcaça”, excelente pão francês produzido pelos portugueses; não sei se aceitaria um “cacetinho”, como também é chamado o apetitoso pãozinho na terra de Camões. Em suas viagens por regiões de além-mar, leve o seu filho, aquele “puto” (como dizem os portugueses referindo-se a garoto), e a linda “rapariga” (senhorita, como se chama em Portugal), sua estimada filha, para conhecerem parte da nossa história.

Isto que escrevi é mesmo coisa de desocupado. Mas, acredito ter valido a pena, por duas razões: Fica-se sabendo da existência de pais irreverentes e irresponsáveis, que marcam os filhos impiedosamente com nomes que não dariam a si próprios; do uso exagerado de expressões em inglês, num Brasil de analfabetos; e, por fim, dos cuidados que devemos ter em viagens a Portugal, onde você, não fossem essas orientações, poderia negar-se, se doente, a tomar uma “pica”, receoso de enfrentar uma enorme “bicha” no Pronto-Socorro local, embora fosse para seu próprio bem. Talvez, não levasse a rapariga e o puto dos seus estimados filhos para um passeio às margens do rio Tejo.

Seria uma pena.

Nordeste valoroso (crônica)

Sou nordestino, cabra da peste, nascido no sertão brabo e seco. Cresci ouvindo histórias de grande sofrimento, de secas homéricas, como a de 1932, que fez sofrer o sertanejo, negando-lhe a água, matando-lhe de fome.

Ouvi de meus ancestrais, notícias de poderosos coronéis, senhores não só do escravo que lhe pertencia como objeto, mas também do destino do cidadão, eleitor de cabresto, carente e humilhado. Soube de crimes políticos, de selvagens vinganças e de assassinatos justificados em defesa da honra.

Presenciei a miséria e a corrupção.

Também conheci as belezas naturais da região, convivi com sua gente humilde, honesta e trabalhadora.

O Nordeste ocupa quase um terço da extensão territorial brasileira, é formado por nove estados e abriga uma população superior a trinta milhões de pessoas. É conhecido por seu clima árido, pelo sotaque que personifica seu povo, por suas inconfundíveis expressões coloquiais, pela culinária exótica e, sobretudo, pela beleza natural de suas praias exuberantes, convidativas e acolhedoras.

Infelizmente, boa parte dos brasileiros considera a região nordestina pobre, atrasada socialmente, dependente do poder público para garantir a sua subsistência; acredita que seus políticos são mais corruptos que os outros; que as dificuldades financeiras do país decorrem do sumidouro de verbas públicas repassadas à região; e que o nordestino é indolente e ingênuo.

Nem tudo é verdade.

O Nordeste não é pobre. Seu povo é que vive na pobreza. A região possui terras férteis. Falta-lhe apenas água para irrigá-las quando as chuvas se revelam escassas. Possui considerável reserva petrolífera, infraestrutura de bom padrão, energia elétrica própria, estradas asfaltadas, portos, aeroportos e telefonia de boa qualidade. Dispõe de conceituadas universidades, razoáveis escolas públicas, bons colégios particulares, hospitais, excelentes hotéis, indústrias químicas, têxteis e de automóveis; usinas de álcool e de açúcar, entre outros variados empreendimentos econômicos.

O atraso social da região, este sim, é verdadeiro e deve ser atribuído às poucas políticas de desenvolvimento, à corrupção, ao desinteresse por mudanças concretas, e à intenção dos políticos de se perpetuarem no poder, mantendo os currais eleitorais que lhes garantem o domínio sobre um povo miserável.

O nordestino não é indolente, como supõem alguns. Pode parecer apático, motivado pela ausência de trabalho. O desemprego pode até viciar o cidadão na ociosidade, mas o legítimo “cabra da peste” é indômito, não cede ao ócio, é inteligente e criativo.

Em todas as atividades humanas, o nordestino se destaca com louvor.

O nordeste já deu ao Brasil figuras exponenciais nas artes, letras, música, ciência, esportes e na administração pública. Pedro Américo, autor do quadro “Grito do Ipiranga”, honrou a região na arte de pintar; Castro Alves, Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos, na poesia; Jorge Amado, José Lins do Rego, Gilberto Freire, na literatura; Caetano Veloso, Elba Ramalho, Gilberto Gil, na música; Ademir, Didi e Vavá, no esporte; Deodoro da Fonseca, Epitácio Pessoa e Rui Barbosa, na política. Quatro paraibanos; quatro baianos; quatro pernambucanos; e um maranhense. Treze ilustres cidadãos nordestinos que elevaram o nome do Brasil, orgulhando a todos nós brasileiros.

O nordeste não é pobre, como vimos, e sim empobrecido pela gestão perdulária, desonesta e eleitoreira dos políticos que se locupletam dos votos do eleitor ingênuo e despolitizado, como também o são os de outras regiões brasileiras.

Bastariam políticas sérias de desenvolvimento, implantação de projetos de irrigação, transposição de rios perenes para tornar os “rios secos” fontes de abastecimento; aplicação correta de recursos financeiros e boa administração. Assim, o Nordeste integraria o mapa nacional mais valoroso ainda.

A casa da ciência (crônica)

"O mundo é sustentado por quatro pilares: a sabedoria do instruído, a justiça do grande, as orações dos virtuosos, e o valor do bravo”. Esse pensamento, inscrito à entrada das universidades na Espanha, na época da ocupação mulçumana, demonstrava a importância do conhecimento na cultura islâmica.

O profeta Maomé disse mais: “a pena dos sábios é mais preciosa que o sangue dos mártires; o conhecimento deve ser procurado obstinadamente, mesmo que se tenha de ir tão longe quanto à China para encontrá-lo”.

A civilização islâmica contribuiu muito para o desenvolvimento da humanidade. Enriqueceu a ciência, as artes e as letras. Transferiu conhecimento científico às gerações futuras, aprimorou métodos de pesquisas e de investigação, e levou o homem a grandes descobertas.

O trabalho científico de pesquisa e investigação realizado pelos sábios da Escola de Bagdá é impressionante. Os mestres ensinavam a “prosseguir do conhecido ao desconhecido, a observar os fenômenos de modo a deduzir causas de efeitos, e a aceitar como fato somente o que havia sido provado por experimentos”.

O califa Al Mamun foi o grande responsável pelo desenvolvimento cultural em Bagdá. O conhecimento humano em sua época foi obtido com a tradução de trabalhos de Aristóteles, Hipócrates, Euclides e Cláudio Galeno.

Galeno (200-132 ªC) foi o primeiro a observar que pelas artérias fluía sangue e não ar. Estudos e descobertas na época de maior desenvolvimento intelectual da civilização islâmica, entre os anos 750 e 1258, foram repassados à Europa Medieval.

Também foi o califa Al Mamun quem criou a Casa da Sabedoria em Bagdá. Contratou sábios de diferentes raças e religiões para aprofundar estudos e pesquisas. Interessava-lhe descobrir o “pensamento da antiguidade”, deixando à parte crenças e ideologias.

Médicos formados na universidade de Jandaisapur, na Pérsia, despertavam grande interesse à comunidade intelectual da cidade, sendo Hunain Ibn Ishaq, considerado o “pai da medicina árabe”, o responsável pela tradução de obras que permitiram o progresso da ciência médica.

A Hunain e a outros autores árabes também é atribuída a criação de termos médicos utilizados na linguagem científica. Sua escola foi a primeira a traduzir o Juramento de Hipócrates.

A primeira fábrica de papel foi fundada em Bagdá no ano 795. O empreendimento propiciou o surgimento de importantes manuscritos produzidos no império muçulmano. O comércio do livro prosperou no Oriente. Sábios e escritores instalaram salas de leituras onde as pessoas podiam consultar preciosos manuscritos, mediante pagamento de uma taxa, cobrada pelas informações obtidas.

A caligrafia tornou-se importantíssima nos países de civilização muçulmana. Escritores famosos mantinham equipes de calígrafos para reproduzirem suas obras. Era o saber contaminando a humanidade há treze séculos.

Gustave Le Bom disse que “Bagdá e Córdoba, importantes cidades espanholas sob domínio do Islã, foram centros de civilização que iluminaram o mundo com a luz de seu brilhantismo”. Jacques C. Riesler escreveu que “o Islã dominou o mundo através de seu poder, do seu conhecimento e de sua civilização superior”; disse mais: “sucessor do tesouro filosófico e científico dos gregos, o Islã transmitiu esse tesouro à Europa Ocidental, após enriquecê-lo”.

A sabedoria do instruído sustenta o mundo em que vivemos.

(*) Para produção desta crônica, pesquisei, entre outras informações, o livro do Dr. Armando José China Bezerra, intitulado "Admirável Mundo Médico", editado por ocasião dos quarenta anos do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal.

domingo, 11 de outubro de 2009

Estudar é preciso (crônica)

Iniciei minha vida laboriosa, trabalhando na atividade privada. Comecei como contínuo, para mais adiante me tornar escriturário, na mesma empresa em que outrora varria o chão e espanava o pó do mobiliário.

Aos dezenove anos, fui nomeado escrevente-datilógrafo de uma repartição pública federal. Depois de três anos, substituí o cargo exercido por emprego melhor, no Banco do Brasil, obtido mediante concurso público, na época uma grande recompensa pelo esforço de trocar o lazer e o descanso pelo estudo.

A nova atividade possibilitou-me avançar na escala econômica e social. A obtenção dessa melhoria decorreu da minha disposição para estudar e enfrentar os obstáculos com determinação. Passados alguns anos, tornei-me profissional liberal de certa importância no ambiente empresarial em que vivi.

O estudo gratificou-me sobremaneira.

Essa parcela da minha existência não deve interessar aos leitores. Cito-a para ajudar à juventude a refletir sobre um assunto deveras importante: o estudo.

Estudar é preciso. Do contrário, as dificuldades cotidianas serão maiores, às vezes insuperáveis. Se estudar é preciso, trabalhar também é preciso.

E como!

Sem estudo, o cidadão terá menos oportunidade de vencer os obstáculos que se lhe deparam no dia a dia. O trabalho requer o conhecimento que o estudo proporciona.

Jovem, ajuste sua vida. Não desperdice seu valioso tempo com futilidades; reduza as horas passadas em frente à televisão, em jogos eletrônicos e em shows musicais de muita gritaria e de pouco conteúdo cultural ou prático.

Estude.

Dedique parte dos anos de sua mocidade aos estudos. Ao final, a vitória lhe sorrirá, convidando-o para muitas e diversas atividades prazerosas e lucrativas. Estudar, portanto, é preciso, embora possa parecer o contrário, quando se vê a autoridade maior do país esbanjando popularidade e acumulando riquezas, sem ter frequentado as bancas escolares.

Estudar, pois, é preciso, repito.

Repitamos todos!

Mais uma vez!

Aproveitemos o tempo que nos é dado hoje, para que o nosso amanhã seja melhor que o ontem e o nosso futuro mais promissor.

Não esperem que lhe peçam conta do seu tempo e você não possa dar conta em tempo, por tê-lo desperdiçado sem conta.

Seria uma pena.

Esse é o cara! (crônica)

No mundo, tem mesmo gente pra tudo. Pessoas sábias, inteligentes, estudiosas; indivíduos incultos, estúpidos, preguiçosos; e, ainda, os espertalhões, ardilosos, desonestos e pilantras.

Aos últimos, melhor seria chamá-los de ladrões.

Na última classificação, encontram-se os que se locupletam do Erário, beneficiando a si e a seus apaniguados. Muitos políticos brasileiros fazem parte dessa raça miserável que envergonha pessoas inteligentes, que sabem discernir o bem do mal, o certo do errado, o sadio do podre.

Uma parcela pequena, infelizmente.

Para não ir mais além, fico por aqui, no meu solitário desabafo. Não pretendo, neste espaço, falar de políticos desonestos, de gente esperta, mal intencionada, de bandidos comuns ou de colarinhos brancos. Se me dispusesse a fazê-lo, seria necessário dispor de supercomputador para armazenar a miríade de escândalos patrocinada por excelências de todos os matizes.

Meu desiderato é esclarecer os incautos sobre o verdadeiro significado de expressões vernáculas, pronunciadas com interesses distorcidos da realidade. Também pretendo contestar os espertalhões que interpretam frases proferidas ao sabor das oportunidades, para dar-lhes convenientes significados.

Fato recente, de maneira até divertida, ocorreu no exterior. Na casa da Rainha. Não na residência do Zé Rainha, o invasor de terras particulares. A coisa aconteceu nos domínios de Sua Majestade, a Queen Elizabeth, em Londres.

Pois, bem. Barack Obama, presidente americano, para ser simpático a um dos seus convivas, disse considerá-lo “o cara”. E mais: confessou adorá-lo como o cara que ele é (ou deveria ser).

Obama apresentou o colega a um dos seus secretários. Disse-lhe o magistrado americano: “Esse é o cara!” O representante de Tio Sam, todavia, não complementou a frase, supostamente elogiosa. Tentarei dizer o que o presidente da América do Norte deixou reticente: esse é o cara… que se aliou a adversários políticos, outrora demonizados e taxados de corruptos; esse é o cara… que aparelhou a administração pública brasileira, tornando-a vermelha e sindicalista; esse é o cara… que fechou olhos e ouvidos às denúncias de corrupção de seus aloprados partidários; esse é o cara… que viaja país afora, inaugurando projetos ainda em gestação, para promover sua candidata a sucessora, uma guerrilheira de alto coturno; esse é o cara… que disse ter a mãe nascido analfabeta; esse é o cara… que disse ser o Oceano Atlântico apenas um rio caudaloso, de praia e areias brancas; esse é o cara … que profere frases grandiloqüentes, algumas desprovidas de bom senso e até ridículas.

O que mais poderia ser entendido na frase reticente do ilustre americano? Que o cara viaja sem parar, quase diariamente, entregando o país à administração dos aloprados?

Obama chamou-o de o cara, não como louvação aos seus predicados, mas por oportunismo, a fim de angariar simpatia ao seu governo e arrancar dele milhões de dólares para o FMI, órgão anteriormente desprezado nos arroubos eleitoreiros de o cara… de pau.

Conceito em baixa (crônica)

Oh, vida!

As falcatruas políticas em voga no Brasil são constantes, praticadas à luz do dia, sem providências saneadoras ou punitivas.

Desconhecemos casos de castigo no passado, e no presente não vemos sequer uma tênue luz para clarear o caminho que leve o infrator da lei às barras das prisões. Às barras da Justiça, como se costuma dizer, não se tem levado ninguém.

A desonestidade é prática corriqueira em quase todos os órgãos da administração pública. São realizadas por altos funcionários ou pelo mais insignificante servidor, concursado ou terceirizado.

O primeiro deles, rouba sem receio do que lhe possa acontecer, pois raramente é castigado por seus atos ilícitos; o outro, imitia-o para não se sentir inferiorizado, ou seja, não passar por bobo, quando o esperto companheiro de ilicitudes está livre, leve e solto.

O marginal público, flagrado em ato indecoroso, é protegido por uma legislação inaplicável na prática, por ser integrante de uma corporação sem muito compromisso com a moralidade.

Às vezes acontece alguma punição. É rara, mas acontece. Aqui e ali se aplica uma penazinha, leve, de valor moral, que nada significa para um servidor sem vergonha.

É cansativo ver, ler ou ouvir sobre o ultraje proporcionado pela maioria dos políticos ao homem honrado, cidadão de respeito, trabalhador incansável, produtor da riqueza nacional, ignorado por uma Justiça lenta e cega, mais cega do que lenta, que não lhe dar a oportunidade de reaver parte de seus impostos roubados à luz do dia.

A Justiça é tardia em julgar e quase não vê “as pegadas” dos infratores da lei. O número de delinquentes que assalta os cofres públicos cresce a olhos vistos. Principalmente nos últimos cinco anos.

As histórias desonestas de quem obtém o respaldo das urnas, trocando o discurso ético pelas facilidades, são vergonhosas e aviltantes. Homens e mulheres, antes ditos honestos, hoje têm suas biografias enlameadas pela prática da corrupção.

Nunca, na história “deste país”, a bandidagem prosperou com a desenvoltura de quem acredita na impunidade.

“Uma vergonha”! – dizem os saudosos telespectadores do comentarista Boris Casoi, alijado do jornalismo independente por suas posições fortes em defesa da honestidade.

Os e-mails superlotam nossos computadores, com notícias desse quilate. Recentemente, recebi a seguinte mensagem:

"Um avião caiu em terras das Minas Gerais. Um caipira, depois de ter enterrado as vítimas do acidente, foi informado pela polícia de que os passageiros eram políticos. Indagado se não havia algum passageiro vivo quando os enterrou, respondeu: quando perguntei se alguém estava vivo, uns dez levantaram as mãos; como todo político é mentiroso, achei que estivessem mortos e os enterrei, uai!"

É assim que o brasileiro reconhece seus representantes. Quem mente, rouba, diz o adágio popular.

Parece verdade.

É uma vergonha!

Mais uma vez, peço vênia ao insigne jornalista Boris Casoi, para usar essa expressão que o consagrou como analista sério, a quem muito respeito e admiro.

A esperança que se foi (crônica)

O que será de nós, brasileiros, entregues a vilania dos políticos?

Que futuro aguarda os nossos jovens?

Até quando a sociedade brasileira suportará os desmandos na administração pública?

Essas perguntas são feitas diariamente pelo cidadão de boa índole, cujo desiderato é ver o país recuperado da degradação moral em que foi mergulhado pela classe política, uma escória merecedora da mais rigorosa punição.

Punir o corrupto, com essa Justiça que está aí?

Ah, parece improvável!

É difícil acreditar que as autoridades, muitas delas comprometidas com os faltosos, sejam acometidas de salutar surto de moralidade.

O que seria ótimo.

Mas, improvável, suponho.

São tantas as notícias de falcatruas praticadas por parlamentares, juízes, delegados de polícia, professores, padres, pastores, e até por familiares próximos, que as nossas crianças serão contagiadas pelo mau exemplo.

Parece não haver esperanças à vista.

O número de corruptos, ladrões e marginais de toda espécie, multiplica-se em ritmo acelerado, preocupa a sociedade e deixa o cidadão com o gosto amargo da derrota.

O crescimento da marginalidade no meio político é gritante. Os bandidos investem na política com o objetivo de adquirir imunidade para os crimes que praticam abundantemente. Eleitos, contam com uma Justiça desinteressada em julgar os seus erros, e, em alguns casos, associada aos seus interesses escusos.

Pobre Brasil!

Quase todos os dias somos informados do crescimento vergonhoso dessa situação.

Quando estávamos próximos de um freio moralizador, retirando dos bandidos a oportunidade de se tornarem políticos, providência essa patrocinada pela maioria dos magistrados estaduais da Justiça Eleitoral, fomos traídos pelos votos contrários dos também magistrados da Corte Superior de Justiça.

Pergunta-se o povo, constantemente preocupado: O que será de nós, brasileiros?

Deixemos a resposta aos senhores Ministros de nossa mais alta Corte de Justiça.

Estamos à mercê de tão honrosas excelências.

Que Deus nos ampare!