sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Gritos inaudíveis (crônica)

Quem escreve está sujeito a erros de grafia. O engano poderá ser cometido à mão ou a máquina. Em ambos os casos poderão ser praticados por desconhecimento do vernáculo ou por displicência.

O escritor poderá errar a colocação de pronomes ou a flexão das palavras. Concordâncias nominais e verbais são regras gramaticais rígidas a serem observadas para valorização da palavra escrita.

Nunca é demais a revisão rigorosa do trabalho literário. Constitui falta de respeito aos leitores, os erros cometidos em livros, jornais, revistas e e-mails, esta última, moderna forma de comunicação da atualidade.

Particularmente, tenho vivido momentos de “horror gramatical”, ao constatar erros em meus escritos.

Recentemente, li um conto de Monteiro Lobato, denominado O Colocador de Pronomes. O autor conta o sofrimento do personagem Aldrovando Cantagalo, em sua luta pelo uso correto da língua portuguesa.

Esse ferrenho defensor da correção gramatical teria sido confrontado até pelos congressistas de sua época, ao pedir-lhes a instituição de leis draconianas em defesa do idioma pátrio. Drácon foi um legislador ateniense do século VII ª C, a quem foi atribuído severo código de leis.

O autor da proposta não recebeu apoio dos congressistas de seu tempo, sob a alegação de que estariam autocondenando-se à morte, pois comparavam a lei requerida a um patíbulo, onde eles seriam as principais vítimas.

Se Aldrovando Cantagalo tivesse obtido a instituição da lei requerida por ele, o Congresso Nacional contaria hoje com reduzido número de parlamentares. Instituídas leis com o rigor das elaboradas por Drácon, para punir congressistas desonestos, o número de suas excelências seria mais reduzido ainda.

Achei interessante o Consultório Gramatical instalado por Aldrovando, mas que, infelizmente, não recebeu dos intelectuais e escritores a devida atenção. Segundo o autor de O Colocador de Pronomes, o escritório aberto pelo insigne gramático foi fechado por encontrar-se às moscas, por falta de clientes.

A medicação que o grande terapeuta das letras preparou para curar a língua enferma não foi aplicada. Até os dias de hoje a doença se alastra de forma epidêmica, e poucos são os “médicos” preparados e dispostos a curá-la. Nem mesmo são capazes de minimizar os efeitos do vírus da irreverência e do analfabetismo que contaminam a língua com seus erros crassos.

São poucos os Aldrovando de hoje.

Conheço um deles, de quem me orgulho por ser um parente próximo; primo-avô: João Mendes da Cunha, paraibano nascido na cidade de Cajazeiras, conterrâneo que orgulha os mais expressivos expoentes das letras do nosso estado. Intelectual de vasto conhecimento, estudioso e profundo conhecedor da língua portuguesa, é revisor de obras de renomados escritores locais e de lugares considerados berço da inteligência e da cultura.

João Mendes da Cunha também é poeta. Um dos maiores nascidos na Paraíba; poucos se lhe assemelham na produção da poesia. É um espécime raro no mundo das letras; um artista dos sonetos acrosticados; um gênio que escreve dezenas de poesias, sonetos, glosas, décimas... Um mestre, como Aldrovando Cantagalo, que insiste na correção do uso do vernáculo, por conhecê-lo soberanamente, sofrendo com as agressões feitas ao idioma em livros, jornais, placas e panfletos.

Gritos da Saudade – título de excelente obra de João Mendes da Cunha – levou a Paraíba a outras plagas e elevou o nome de Cajazeiras, onde nasceu “o poeta”. Gritos Inaudíveis – título desta modesta crônica – foi tomado emprestado ao João. Não quis imitá-lo ou igualar-me a ele, pois me seria impossível chegar ao nível de sua intelectualidade. Tentei, sim, unir a sua voz à de Aldrovando Cantagalo em mais um apelo para resgatar o bom o uso da língua portuguesa.

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