Os olhos estavam fechados. A inchação das pálpebras impedia de o paciente abri-las; por isso, nada via à sua frente ou em volta de si.
Os ouvidos não foram afetados. A orelha esquerda estava suturada por seis pontos e a outra dolorida e arroxeada.
Um tubo, colocado na boca para facilitar a respiração, impedia-o de falar.
Os exames de raios-x constataram fraturas em duas costelas e na clavícula, o que levou os médicos a vesti-lo com um colete de gesso.
O rosto estava envolto em ataduras, pois fora submetido à cirurgia reparadora dos ossos da face.
Essa era a situação de Luiz, na UTI do hospital onde estava internado, após o grave acidente de automóvel, ocorrido no dia anterior.
Os parentes aguardavam notícias do seu estado de saúde na sala-de-espera do hospital. As informações eram prestadas pelo médico-chefe da equipe cirúrgica.
– Ele vai se recuperar. É forte e as lesões não são graves. Alguns ossos da face sofreram fraturas, porém irão se consolidar.
– Doutor, mas por que todos aqueles tubos? Os olhos inchados, fechados daquele jeito, estariam comprometidos por alguma lesão? – perguntou um dos parentes, após levar um lencinho branco aos olhos para secar uma lágrima.
– Não. O oftalmologista assegurou que estão em ordem. Dentro de alguns dias os olhos serão abertos e ele enxergará como antes. Quanto aos tubos, fazem parte da monitoração cardiorespiratória.
– Obrigado doutor! – agradeceu o senhor Luiz, de quem o paciente herdara o nome em sua homenagem, por ser o seu primogênito.
Algum tempo havia passado desde o acidente.
Amigos e familiares compareciam ao hospital para trazer conforto espiritual e votos de breve recuperação ao doente.
As melhoras aconteciam paulatinamente. Ele já abria os olhos e conseguia conversar com as visitas. Falava do acidente, eximindo-se de responsabilidade. Alegava não desenvolver velocidade excessiva em seu veículo, quando tudo aconteceu. “O destino aqui e ali apronta das suas”, disse desconsolado.
O companheiro de viagem morrera e a namorada ficara paraplégica. Assim lhe contara o pai na última visita.
Luiz recuperava-se, bem cuidado por médicos e enfermeiras. O incômodo maior eram as cicatrizes no rosto, mostradas pela irmã ao trazer-lhe um espelho.
Ele acreditava na perícia do cirurgião plástico. O médico restauraria as seqüelas. Luiz considerava-se simpático, até mesmo bonito, e faria o possível para recuperar a beleza do rosto.
Durante a convalescença, o enfermo recebia grande atenção das enfermeiras. Certa vez, Sílvia, linda garota de seios fartos, pernas longas e torneadas, foi assediada por Luiz.
O doente apalpou a b… arrebitada e vistosa da moça. Ela o medicava ao ser importunada. Nessa ocasião, alguém passou diante do apartamento e presenciou o ousado gesto do paciente.
A enfermeira reconheceu a testemunha. Bastante constrangida, repreendeu e ameaçou Luiz com providências enérgicas, caso o assédio fosse repetido.
Passados alguns dias, Luiz recebeu a visita de uma equipe de estudantes de medicina, acompanhada do preceptor, especialista em cirurgia plástica.
Dizia o experiente professor aos alunos:
– O paciente será operado para correção dessas cicatrizes.
O médico apontou as seqüelas à pequena distância. Quase tocou o rosto de Luiz. Em seguida, continuou:
– O material será retirado das nádegas...
Minutos depois de conversar sobre as condições clínicas do paciente, e de marcar a operação, professor e alunos saíram com breve despedida:
– Tenha um bom dia, senhor. Fique tranqüilo. Tudo sairá bem – disseram.
Luiz ouviu as explicações do cirurgião. Quando ele mencionou a aplicação de tecidos das nádegas, notou que um dos alunos levara a mão à boca para disfarçar o sorriso.
Preocupado, pensou no resultado cirúrgico, que poderia ser um sucesso como tantos realizados naquele hospital, mas, se algum estudante (quem sabe aquele que esboçara o sorriso irônico?) fizesse parte da equipe, o risco seria grande por não dominar a técnica da cirurgia plástica.
Ele, Luiz, poderia ficar, depois de operado, com… como dizer… assim… com… “com cara de bundão”.
O enfermo não dormiu durante a noite.
Perguntava-se angustiado: “Os tecidos das nádegas, amarrotados pelo peso do corpo ao sentar-se, oriundos de partes… menos nobres, acostumados a barulhos e odores… repugnantes, seriam apropriados para trazer de volta a beleza do seu rosto?”.
***
Finalmente, chegou o dia da cirurgia. Foram horas de intenso trabalho. Passado algum tempo, removeram as ataduras e constataram grande fracasso.
As maçãs da face estavam salientes e abauladas. Davam a impressão de estarem ligeiramente separadas por um vinco. O nariz anguloso parecia surgir ou penetrar pela imaginária reentrância.
Luiz quis se ver no espelho.
O rosto deformado não deixou dúvidas.
Lembrou-se de ter apalpado a b… da jovem funcionária do hospital.
Agora entendia tudo: “A enfermeira era esposa do cirurgião plástico. Num ato de vingança, o médico revidou o audacioso gesto” – disse para si, lamentando a ousada imprudência.
Naquele momento, sentiu-se arrependido.
Tarde demais.
O receio de Luiz foi confirmado.
Ele ficou mesmo “com cara de bundão”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário