segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O ultimato - Capítulo IX - Os especialistas

Leia, a seguir, o capítulo IX de O ultimato. Obrigado. Lamércio.

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A reunião começou na hora aprazada. O chefe cumprimentou os integrantes, sentados e dispostos em torno de uma mesa retangular.

Sem demora, iniciou os trabalhos.

Ainda falava com dificuldade, porém a voz havia melhorado de tonalidade. Encontrava-se mais audível. O agente 253 notou a diferença, satisfeito por ter-lhe receitado um xarope caseiro feito à base de ervas e romã. A meizinha fora enviada pelo coordenador 254, que a comprou no Mercado São Sebastião, em recente viagem a Fortaleza, no Ceará.

Dali a alguns dias, ele estaria curado.

Em seguida, o chefe saudou os presentes e convidou o companheiro 259 a falar sobre a organização. Os coordenadores eram tratados e identificados por números; os demais membros eram conhecidos pelos nomes civis. O agente 259 tinha grande experiência na área de sua atuação.

O chefe pediu-lhe que dissertasse sobre as atividades do grupo, a forma de cooptação de seus aliados, os métodos e estratégias utilizados. Ele, o chefe, insistia em reprisar os conceitos e metodologias da entidade. Só assim, acreditava, o “sentimento maior” da instituição ficaria impregnado na mente de seus integrantes.

Disse o agente:

- Fazemos parte de uma organização informal, secreta, da qual participam centenas de pessoas de ambos os sexos. Atuamos em todo o território nacional. Somos liderados por seis coordenadores e um supervisor. Sete dirigentes. Por que sete? Esse é um número cabalístico, considerado símbolo da perfeição. Acreditamos no valor evocativo do número sete, mágico e quase místico. A organização segue princípios rígidos e definidos. Devotamos à causa um sentimento quase religioso. A nossa finalidade é exigir a devolução do dinheiro público surrupiado em diversas modalidades de corrupção.

- Caçamos o corrupto e o obrigamos a restituir ao povo os valores e bens adquiridos ilicitamente. Primeiro, o identificamos por jornais, revistas, rádios, televisão… por toda espécie de denúncia. Desse ponto em diante, acionamos os nossos contatos. Uma grande rede de informações entra em ação: bancários vasculham contas e aplicações financeiras; funcionários dos cartórios verificam registros de imóveis; fiscais da Receita Federal apuram acréscimos patrimoniais injustificáveis; serventuários da Justiça prestam informações sobre processos em andamento ou engavetados; policiais civis e militares contribuem com experiências e ações estratégicas; jornalistas, advogados, médicos e até religiosos ajudam a cumprir nossa missão. Alguns promotores de justiça e certos juízes também integram a instituição.

- Recebemos as informações em sigilo. Depois de confirmadas, são analisadas por muitos e bons especialistas. Procuramos o corrupto e exigimos que venda os bens adquiridos em suas atividades ilícitas e deposite o produto da operação na conta bancária de uma organização não governamental, da qual falarei adiante.

- Nosso método de persuasão é bastante peculiar: um grupo de trinta homens bem treinados em métodos de tortura física e psicológica procura o indivíduo e o convence a aceitar a proposta. Abordamos o corrupto em ocasiões especiais, quando se encontra sozinho, e o levamos a “dar um passeio”, ao cabo do qual se inicia o processo de devolução da riqueza nacional subtraída. Quando encontramos resistência, adotamos medidas mais eficazes.

O orador calou-se de repente. Estava com sede. Tomou alguns goles de água, depositou o copo sobre a mesa e prosseguiu:

- A ONG encarregada de receber os recursos devolvidos foi constituída no exterior. Denomina-se, sugestivamente, “Recursos Salvados”. O nome lembra a expressão usada pelas companhias de seguros, relativamente aos bens recuperados de roubos e extravios, depois de indenizados. O dinheiro retornado é remetido ao Brasil em forma de doações que começam a modificar a vida da população carente. Esperamos receber alguns bilhões de reais, cuja aplicação reduzirá o nível da desigualdade social no país. É um trabalho ingente. Estamos dispostos a pagar o preço, se necessário.
Trata-se, pois, de um movimento político e extremamente justiceiro. O que fazer, se as leis beneficiam os corruptos e a Justiça não age seriamente? Respondo: “castigar, com rigor, fazendo justiça com as próprias mãos”. Foi assim no Nordeste brasileiro, com o Capitão Virgulino – O Lampião; assim será conosco. Conhecemos a história desse justiceiro. Foi Lampião quem nos inspirou. A sanha do Rei do Cangaço nos motiva a fazer justiça, infelizmente com as próprias mãos. Nossa inspiração, portanto, veio do Nordeste brasileiro, região vilipendiada pelos políticos e injustiçada até pela natureza que parece desconhecer suas necessidades.

- Estamos orgulhosos do nome da nossa entidade: Justiceiros Implacáveis. Ela reúne pessoas de todas as classes sociais. Em nossos quadros contamos com gente disposta a fazer justiça. Implacavelmente. Não cedemos aos apelos dos justiçados. Nossos corações são duros como pedra. É a regra – finalizou.

O agente ia sentar-se, quando o chefe pediu-lhe para falar sobre o Caso Anta.

O palestrante estava com a garganta seca. Falara por tantos minutos que sentia uma ardência causada pela irritação das cordas vocais. Mais uma vez pegou o copo em cima da mesa e bebeu todo o conteúdo do recipiente. Depois de molhar a garganta, falou:

- O Caso Anta foi simples. O sujeito era um grande covarde. Naquela noite, quando o justiceiro entrou em seu escritório, encontrou-o sozinho, revisando uns papéis. Ele não sabia, mas seu algoz era implacável. Aplicou-lhe “elevada dose de convencimento”, sem deixar marcas comprometedoras ou identificáveis. Era um especialista que sabia aplicar o castigo. Doutor Anta não esboçou nenhum gesto de defesa. Apavorou-se ao ouvir que “sua hora” chegara. Iria morrer, mesmo tendo devolvido o dinheiro roubado do povo, principalmente dos pobres. Não haveria perdão. O lema da nossa organização é “jamais esquecer o castigo”. Ao sentir a iminência do fim de seus dias corruptos, não resistiu ao pavor e morreu sufocado por dor intensa. Levou a mão ao peito enquanto exalava o último suspiro. Um infarto o matou. Nosso homem apenas completou a tarefa: com um punhal pontiagudo, gravou em seu peito o símbolo dos Justiceiros. Depois, cortou-lhe a orelha direita.

- O primeiro caso está encerrado – concluiu o orador.

O agente ainda relembrou um detalhe:

– Logo após a execução do Anta, o chefe exibiu neste recinto a orelha decepada do morto. A prova da missão cumprida chegou transportada em pequena caixa retangular; depois de abri-la e mostrá-la aos colegas, lançou-a ao Pit Bull negro, deitado ao lado da mesa. O animal, de um pulo, alcançou o “petisco” ainda no ar. Aquele gesto será repetido por mais vezes – finalizou o agente.

– Muito obrigado 259.

– Estarei sempre disponível – respondeu o agente. Com um aceno de cabeça cumprimentou os ouvintes, companheiros na ingente missão de punir os corruptos.

– Novas tarefas estão em andamento. Temos muito “trabalho” por todo o país. Permaneçamos fiéis aos nossos propósitos e juramentos – disse o chefe, encerrando a reunião.

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