sábado, 4 de julho de 2009

Confissão (crônica)

Seu nome era Lamartine. Lamartine Brasil. Os amigos o chamavam de Lama. Lama, é bom esclarecer, correspondia à redução gráfica de seu prenome. Ele era bastante honesto para que a palavra “lama”, encontrada nas quatro letras iniciais de seu antropônimo, fosse confundida “como aquilo que degrada, envergonha ou avilta o caráter das pessoas”.

Conheci Lamartine há muitos anos. Todos o tinham como cidadão trabalhador, bom companheiro e bom pai. Com o tempo, Lama resolveu entrar na política, com o propósito de contribuir para a moralização das instituições parlamentares. Faria tudo para salvar a dignidade do Parlamento, segundo ele, desacreditado, desmoralizado e apodrecido pela corrupção.

Havia algumas exceções entre os membros da Casa e ele se associaria a esses baluartes da honradez para salvar os recuperáveis e condenar os incorrigíveis. Candidatou-se, recebeu expressiva votação, elegeu-se deputado federal.

No dia de sua posse, discursou impoluto:

– Senhor presidente; senhoras deputadas; senhores deputados; povo brasileiro! Hoje, realizo o sonho de representar meus concidadãos. Em benefício da pátria, darei meu próprio sangue para libertá-la da corrupção. Defenderei a ética na política; jamais transgredirei o decoro parlamentar; nesta e em outras legislaturas, se Deus assim me permitir, manterei fidelidade ao meu partido. O diploma que ora recebo será honrado como exige o povo que me elegeu.



Ninguém o aplaudia.

O discurso continuava em tom veemente.

– Familiares meus não ocuparão cargos em meu gabinete; escolherei colaboradores de reconhecido saber, pessoas honradas e respeitáveis. Cumprirei as promessas de lutar pelo cidadão humilde deste país.

Emocionado, confessou:

– Eu amo esse povo!

Lamartine chorou. Chorou mais duas vezes depois de citar as agruras de sua vida pobre e sofrida. Ele sempre chorava ao citar detalhes de sua infância e o sacrifício da mãe para criá-lo e aos irmãos.

Olhando para a platéia, ainda com os olhos lacrimosos e a voz embargada, disse:

– Não farei parte de conchavos; não me beneficiarei de regalias; não roubarei, se um dia me for concedida oportunidade. Esta tribuna será meu escudo e minha arma. Daqui, defenderei os interesses do povo e denunciarei as maracutaias que me chegarem ao conhecimento. Que se cuidem os corruptos!

Poucos no auditório o aplaudiram.

Nenhum parlamentar apertou-lhe a mão, solidarizando-se com ele.

O tempo passou.

Lamartine aderiu ao esquema de seus pares; esqueceu as promessas de seu discurso de posse; associou-se aos companheiros na disputa por cargos públicos; olvidou as denúncias de seus eleitores; desprezou a ética que defendia com ardor; aderiu aos conchavos políticos; locupletou-se da administração pública; fez-se igual à boa parte de seus pares. Ele adorava ser tratado por ”vossa excelência”, “nobre deputado”, “distinto colega”; qualquer tratamento fidalgo o envaidecia, embora não mais merecesse o respeito dos cidadãos que o elegeram.

Lamartine enganou e mentiu ao povo.

Hoje, o simpático apelido – Lama – soa mal aos ouvidos da sociedade.


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