domingo, 12 de julho de 2009

Ilusão da vida (conto)

Maria Rosa comprou a revista Show do Milhão, do SBT, depois de economizar em gastos com o transporte coletivo que a conduzia ao trabalho todos os dias.

Percorreu a pé os cerca de oito quilômetros entre sua casa e a residência da patroa, até conseguir os três reais necessários à aquisição da famosa revista.

Enfrentou o frio das manhãs de fim de outono com resignação. “Valeria a pena”, pensava ela. Quem sabe o esforço não seria recompensado com o sorteio para participar do programa? Seria emocionante encontrar-se frente a frente com seu ídolo maior, Sílvio Santos, em quem um dia prometera votar para presidente da República.

Diariamente, Maria Rosa elevava suas preces à Deus, em fervorosa oração. Pedia-Lhe a graça de ser contemplada no sorteio que a levaria ao Show do Milhão. Freqüentadora assídua dos cultos da Igreja Mundial do Reino Divino, não duvidava do milagre.

Sentia a dádiva cada vez mais próxima.

Maria despachou o cupom pelos Correios.

Passados os dias, o telefone tocou na casa de Dona Alice, para quem trabalhava. Baixou o volume do rádio, que tocava estridente música evangélica, e atendeu à chamada. Julgava ser o pastor da igreja que, insistentemente, ligava para lembrar-lhe o pagamento do dízimo no final do mês. Alegre, como sempre, falou ao colocar o fone no ouvido:

– A paz do Senhor, irmão!

– Gostaria de falar com a senhora Maria Rosa, por favor!

– Pensei ser o pastor Arnaldo. Desculpe! Que Deus também lhe abençoe grandemente. É a Maria Rosa quem fala. O que deseja?

– Aqui é do SBT. A senhora foi sorteada para participar do programa Show do Milhão, no próximo dia dez.

– Oh, Deus, aleluia, Jesus! – disse entre soluços e louvores ao Senhor.

– A senhora virá acompanhada? Precisamos saber para emitir as passagens de avião e reservar os aposentos no hotel.

– Sim, irei com minha patroa, Alice Martins.

– Tudo bem, boa sorte! – desejou o representante do SBT.

Maria Rosa não se continha de alegria. Colocou o telefone no gancho e dirigiu-se à cozinha; ajoelhada, orou ao Senhor, agradecida. Bastante ansiosa, aguardou a chegada de dona Alice, vinda de uma repartição pública municipal, depois de “exaustivo” dia de trabalho.

Maria contou a graça alcançada e confirmou com a patroa se esta a acompanharia a São Paulo.

– Sim, irei com você – respondeu.

Em seguida, Maria despediu-se de dona Alice e foi ao ponto do ônibus que a levaria à modesta casa onde morava na companhia dos filhos, José, de treze anos, e Laura, de dez.

Angustiada, aguardava o transporte chegar.

Enquanto isso, pensava na viagem de avião; imaginava-se vestida com a roupa domingueira, via-se hospedada em hotel de luxo e, o que era melhor, sonhava em receber os “trinta mil real” das mãos do adorável Sílvio Santos. Com esse dinheiro, compraria a casa própria, construída em alvenaria de tijolos, com cerca de sessenta metros quadrados, banheiro e vaso sanitário abrigados do sol, da chuva e do sereno.

Estaria rica dali a poucos dias.

Restava-lhe aguardar.

Distraída em seus pensamentos, não percebeu a aproximação do Chevette dirigido por um bêbado irresponsável, que pôs fim à sua vida.

Maria morreu sem conhecer Sílvio Santos.

O sonho da casa própria não se realizou.

Os filhos, órfãos, ficaram mais pobres ainda.

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