Leia, a seguir, o segundo capítulo de O ultimato. Obrigado, Lamércio Maciel Braga.
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A polícia especializada atendeu ao chamado da família. Seis homens uniformizados e três agentes da polícia civil chegaram em dois carros pretos, listrados de amarelo, com tarjas verdes, todos com os logotipos das instituições impressos nas portas.
Interditaram e examinaram o local minuciosamente.
Durante as diligências de praxe, tomaram depoimentos, inquiriram empregados, elaboraram registros, colheram impressões digitais, revistaram móveis… Fotografaram o corpo por diversos ângulos, principalmente a parte em que fora aposta a marca macabra e chamativa – JI.
Os policiais espalharam-se por todos os cômodos do escritório, cada qual exercendo uma especialidade. Um delegado da polícia civil coordenava o inquérito. O fotógrafo não dava descanso à máquina. Captava todos os lances e atendia as solicitações dos companheiros pontualmente.
– Você não fotografou o lado direito da cabeça. O cadáver está mutilado; falta a orelha! – falou, zangado, o chefe da investigação.
O fotógrafo era gordo, careca e atendia pelo nome de Otávio. Há dez anos trabalhava na polícia, depois de ter passado pelo departamento de imprensa de uma empresa estatal.
Otávio tinha pequeno defeito físico: uma deficiência visual não identificada quando de sua contratação para os quadros da polícia. Tinha só uma vista; a outra cegara, atingida por uma pedra, quando criança. As restrições visuais jamais o impediram de trabalhar como fotógrafo.
Insatisfeito por ter sido repreendido na presença dos colegas, e visivelmente aborrecido com o chefe da investigação, Otávio disparou a máquina Polaroid por diversas vezes seguidas, até esgotar o filme do equipamento.
Ele não trazia outro para reposição.
Possíveis evidências ficaram prejudicadas.
O detetive Cid Valente, um dos investigadores do caso, mais conhecido por El Cid, numa referência debochada ao grande guerreiro espanhol, era um rapaz talentoso. Invariavelmente trajava calça jeans e paletó preto bastante surrado.
Esforçava-se para honrar o nome da família. O pai fora investigador de polícia, naquele tempo chamado depreciativamente de “araque”, e até fizera jus à denominação: formara-se detetive por correspondência.
Já o avô, apadrinhado por políticos da região, tornara-se delegado. Durante mais de vinte anos chefiou a polícia de Carrapateira, onde ficou famoso por castrar os estupradores que prendia.
O calor intenso fez El Cid afrouxar o nó da gravata, um acessório de cor vermelha, bastante ensebado, por ele ter o hábito de limpar a boca toda vez que cuspia, o que não era raro.
Naquela oportunidade, El Cid expeliu a secreção salivar para um lado e livrou-se, também, do chiclete que mascava desde o início da manhã. Coçou a mandíbula do lado esquerdo, fez uma leve careta e perguntou ao chefe:
– E agora?
– Removam o corpo para o Instituto Médico Legal. Depois continuaremos as diligências. Por essa e outras razões, a população não “faz fé” na polícia brasileira – desabafou o chefe, sem esconder a irritação.
A exasperação do responsável pelas diligências era agravada pelo mau humor que sempre lhe contagiava. Contrariado, saiu de repente, com o paletó às costas, preso ao polegar da mão direita. Atirou fora o toco de cigarro e imediatamente acendeu outro num gesto mecânico.
Depois das providências de praxe, os policiais dirigiram-se aos veículos estacionados nas proximidades. Os carros exibiam os logotipos das instituições já um tanto desbotados. Os pneus demonstravam muitos quilômetros rodados, anunciando a hora de serem substituídos.
O motorista da viatura que aguardava o delegado era um sujeito obeso, de aparência senil. Chama-se Emílio. Enquanto esperava o chefe, devorava vorazmente o sanduíche de mortadela, sentado ao volante, com os pés repousando no lado direito do painel de instrumentos. A comida penetrava a goela, facilitada pelo líquido morno de uma Coca-Cola.
O glutão teve a refeição interrompida pelos homens da lei, ao entrarem no carro batendo as portas com força excessiva. Assustado, deixou cair parte do precioso lanche.
A bebida escura e pegajosa manchou o uniforme do policial, uma peça bastante surrada, carente de cuidados higiênicos.
A viatura pilotada por Emílio parou a poucos metros de distância.
Acabara a gasolina.
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quarta-feira, 5 de agosto de 2009
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