segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O ultimato - Capítulo V - As especulações

Leia, a seguir, o quinto capítulo de O ultimato. Obrigado, Lamércio Maciel Braga

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A imprensa noticiou o crime com estardalhaço. Os jornais diários mostraram fotografias coloridas do cadáver com aquele quadrilátero provocador contendo as letras JI gravadas no peito. Insinuaram vingança entre famílias rivais ou acerto de contas, comum no âmbito empresarial e político.

“Possivelmente, trata-se de uma vingança; a orelha decepada seria a prova da execução encomendada”, noticiou certo matutino.

“Não fora o status da vítima e sua posição como político influente, dir-se-ia ser coisa do narcotráfico”, escreveu importante revista semanal.

Uma emissora de televisão filmou as dependências do luxuoso escritório onde fora encontrado o corpo sem vida do doutor Antunes.

Imaginária reconstituição dos fatos foi levada a efeito por atores famosos. A grande audiência do programa, intitulado “Tragédia Reconstituída”, pretendia receber denúncias ou pistas que levassem ao possível assassino.

O apresentador do programa esquecera-se do laudo pericial. O documento do legista atestara o infarto como causa mortis.

Para o apresentador da televisão houvera assassinato.

Todos desejavam esclarecer o porquê das iniciais JI gravadas no peito do cadáver.

Periódicos de menor importância insinuavam que os criminosos seriam nordestinos. Em longas digressões, mostravam as semelhanças da morte com as praticadas por pistoleiros a mando de coronéis da política ou por pessoas que contratavam o assassinato de desafetos para lavar a honra ultrajada da família.

Diziam os tablóides sensacionalistas: “na região Nordeste, o pai de uma filha deflorada antes do casamento ou um marido traído costuma lavar a honra afrontada com o sangue do autor do delito”.

Tudo especulação.

As autoridades nada informavam; alegavam segredo de justiça para não atrapalhar as investigações.

O delegado da polícia civil, responsável pelo caso, doutor Bat Masterson, era um homem impulsivo, que às vezes agia de maneira irrefletida.

Dizia-se uma pessoa corajosa, valente, parecida com seu xará, de quem herdara o nome, posto pelo pai por ser fã da lendária figura do Oeste americano.

Sem controlar a língua, quebrou o silêncio e disse à imprensa que a polícia estava prestes a prender o assassino.

– Assassino doutor? O homem não morreu de infarto do miocárdio? – indagou um repórter de televisão.

– Sim, assassino. O doutor Anta foi assassinado. O fato de o laudo do legista mencionar infarto como causa mortis não afasta essa possibilidade. Desconfio de que a vítima sofreu agressão psicológica intensa. Seu rosto expressava profundo terror. Talvez tenha sido forçado a ingerir alguma substância venenosa, letal.

– Doutor, o perito constatou como causa da morte, o infarto. Portanto…

– Portanto, não acredito no legista.

– Mas ele é autoridade no assunto. O senhor desconfia de que o laudo foi forjado?

– A investigação está em andamento. Logo, logo, chegaremos à verdade – concluiu o policial, afastando o microfone da boca.

O aparelho já lhe ferira o lábio superior.

O doutor Bat Masterson era mesmo um fanfarrão. Homem grande, corpulento, vivia sempre com a pistola automática ao alcance das mãos. Nascera no Sul do país, de uma família de produtores de fumo. Defendia a plantação do tabaco, isentando-o de seus malefícios. Fumava desbragadamente para confirmar as próprias convicções.

E tossia como um desesperado.

Principalmente pela manhã.

As informações do delegado “faziam a festa” dos jornalistas. A empáfia do policial não condizia com o resultado das investigações.

No dia seguinte, os jornais tiveram muito a relatar.

E a especular.

Pouco, porém, a explicar.

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Leia o próximo capítulo
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