sábado, 8 de agosto de 2009

O ultimato - Capítulo III - A autópsia

Leia, a seguir, o terceiro capítulo de O ultimato. Obrigado, Lamércio Maciel Braga.

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A autópsia no cadáver do inditoso Antunes foi realizada com o rigor e o conhecimento de experiente legista.

O médico fez dois grandes cortes em “vê”, na altura das clavículas direita e esquerda, e um terceiro que descia paralelamente até a região pubiana.

As fissuras resultaram em forma de “ípsilon”.

O osso esterno foi cerrado por lâmina circular elétrica e depois separado em duas partes. O eficiente legista afastou as costelas de ambos os lados, a fim de facilitar o trabalho, efetuado cautelosa e meticulosamente.

Examinou os pulmões, revirou-os para verificar se teriam sido contaminados por gases venenosos ou se estariam encharcados de água, como em casos de afogamento.

Nada disso foi constatado.

Responsáveis pela respiração, os pulmões deixaram de transformar o sangue venoso em arterial sem nenhuma interferência externa.

Depois foi a vez do coração. Este, sim, estava danificado. As artérias coronarianas necrosaram ao sofrerem constrições que as impediram da irrigação do sangue, indispensável ao bom funcionamento dessa parte vital do corpo.

O médico-legista, após encerrar os trabalhos, diagnosticou a causa mortis como “infarto fulminante do miocárdio”.

Foi o que constou do atestado de óbito.

A marca gravada no peito e a retirada da orelha direita foram efetuadas post mortis, afirmava o laudo.

A sala de necropsia era um ambiente lúgubre, frio e sujo. Dispunha de poucos móveis: uma grande geladeira com dezenas de gavetas enfileiradas, três camas e duas mesinhas de aço inoxidável para acomodar os instrumentos cirúrgicos. Um fichário de madeira bastante usado servia para arquivar os prontuários dos cadáveres durante os processos de identificação e diagnóstico.

O chefe da investigação criminal entrou na sala de autópsia, sem se anunciar. Empurrou a larga porta de madeira, abrindo-a ruidosamente.

O ranger das dobradiças não assustou ninguém.

Ali não havia espaço para o medo.

A hora da visita foi inoportuna. O legista, sentado em uma cadeira de metal, pintada de branco, já um tanto descascada, fazia pequena refeição.

O barulho das serras circulares que abriam os corpos comprometia a audição.

– E aí doutor? Terminou o trabalho? De que morreu o homem? – perguntou o delegado que acabara de chegar.

A barulheira impediu o médico de ouvir a pergunta da autoridade policial.

– De que morreu o homem? – repetiu o delegado, referindo-se ao doutor Antunes Anta da Silva.

Sem responder, o legista levantou-se e foi ao armário. Prendeu o sanduíche entre os dentes, abriu uma gaveta, retirou um dossiê e dele uma folha de papel, com o timbre da instituição.

Era o laudo pericial.

O documento dizia tudo.

Nada havia a acrescentar.

O médico retornou à solitária refeição.

O policial dobrou o papel e o colocou no bolso interno do paletó. Bastante nauseado, abandonou o recinto sem se despedir do legista. Nem mesmo agradeceu-lhe o atendimento.

Depois da refeição, doutor Hamilton daria continuidade ao trabalho, muito intenso naquele dia. Há vinte anos prestava serviço ao Instituto Médico Legal. Em determinadas ocasiões, às segundas-feiras, principalmente, abria de três a quatro cadáveres.

Somente ele.

Os demais colegas, em número de quatro, davam conta de mais doze. Eram tantos os cadáveres para autopsiar, que os médicos sentiam-se cansados, mesmo ajudados por auxiliares, em quantidade insuficiente.

O índice de criminalidade era assustador.

E crescente.

Sem soluções à vista.

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Leia o próximo capítulo
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