sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Natal (crônica)

A família reuniu-se na sala, em torno da árvore ricamente ornamentada com motivos natalinos. Embora artificial, a folhagem verde realçava à luz das lâmpadas que piscavam incessantemente.

O chão estava coberto de presentes. Muitas lembranças seriam entregues à esposa, filhos, netos, genros, nora, parentes e a alguns amigos convidados para a celebração da Ceia de Natal, um acontecimento que repetimos há mais de um quarto de século. Sempre festiva e farta, a nossa comemoração do Natal supera-se a cada ano.

Os participantes comiam e bebiam alegremente, ao som de belas melodias natalinas. O momento era alegre e fraternal. Conversamos amenidades, narramos episódios interessantes da vida, relembramos vitórias pessoais, acontecimentos marcantes, compartilhando-os com os amigos que vibravam com o nosso êxito como se igualmente lhes houvesse acontecido.

Éramos felizes naquela noite festiva de verão!

Algumas pessoas conversavam à beira da piscina de águas azuis, iluminadas por luzes cintilantes. Apenas as estrelas ofuscavam o brilho da festa, sob o olhar misericordioso do Menino-Deus, do Deus-Homem, do Deus-Pai, que nos contemplava cheio de amor, sem qualquer distinção.

Não esquecemos do aniversariante, como sói acontecer em festividades realizadas na véspera do Natal. Antes da ceia, às doze horas, após a troca de presentes, realizamos breve instante de meditação. Refletimos sobre a Palavra depois da leitura em João, capítulo primeiro, versículo quatorze, que diz:

“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheia de graça e de verdade”.

Oramos em seguida, certos dessa verdade – Jesus – que veio a nós como dádiva imerecida. Abraçamo-nos, desejando-nos mutuamente um Feliz Natal. Em seguida, nos fartamos da deliciosa ceia que nos aguardava.

Hoje, confesso que naquela hora de tanta fartura, de relativo excesso, esqueci do meu semelhante. Não lembrei do pobre desempregado, sem teto, sem comida e lençol para amenizar-lhe o frio; não o imaginei sem amigos ou remédio para curar-lhe a dor; não o vi sem esperanças futuras. Não pensei no indigente sofrido que vive sob os viadutos das grandes cidades, das crianças órfãs, dos anciãos que habitam os asilos carentes, dos meninos de rua... Sequer imaginei que estivessem com fome naquela hora em que eu, minha família e meus amigos nos fartávamos de finas iguarias. Não ouvi o ronco dos seus estômagos vazios nem a voz de suas súplicas.

Pouco adiantará se apenas por ocasião das comemorações natalinas eu me dispuser a ajudar aos pobres, chegar-lhes eles com alguma doação, fazer-lhes um pequeno afago, mitigando-lhes as aflições. Depois da pequena “esmola” que lhes der, inicia-se novo período de necessidades em suas vidas. Terei de estar presente com essas atitudes no dia-a-dia, ao ver ou ouvir o sofrimento de um doente, o choro de uma criança faminta ou o gemido de um velho moribundo.

Errei em não ter lembrado dos necessitados na última comemoração do Natal. Temo que me tenha acontecido o que disse o aniversariante há quase dois mil anos:

“E por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará”

De agora em diante, farei o possível para não esquecer que o Natal deve ser lembrado de janeiro a dezembro.

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