sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Tudo igual (crônica)

Recentemente, viajei de Brasília a Recife, cidade nordestina, capital do estado de Pernambuco. O povo do lugar orgulha-se de sua história, de sua cultura e de seus valores intelectuais.

A cidade conheceu a riqueza durante o ciclo do açúcar, abrigou coronéis de alto coturno e libertou seus escravos. Os rios e pontes acentuavam a beleza e fascinavam o visitante. Antes, famosos e exuberantes, agora revelam a marca da poluição e do descaso das autoridades, que permitiram os esgotos domésticos desembocar em seus leitos, contaminando a água que exala odor desagradável e propicia a proliferação de mosquitos e doenças.

Hoje, Recife é uma megalópole que não consegue desvencilhar-se da pecha de violenta, com milhares de desempregados, favelados e pedintes esmolando a caridade alheia nas ruas apinhadas de gente. O número crescente de meliantes impinge à população o desconforto da abordagem física, o risco de assalto, de sequestro ou mesmo de morte.

Voltando a falar da viagem:

O vôo foi tranqüilo. O avião pertence à empresa bem administrada, que executa gastos com sobriedade. Talvez ainda não esteja envolvida com a “bancada do ar”, como são chamados os congressistas que fazem "loby" para suas congêneres. Por isso, revela boa saúde financeira. A nota destoante ficou por conta do cheiro enjoativo do amendoim torrado e das barras de cereais distribuídos franciscanamente.

Alguns passageiros liam, uns dormiam, outros conversavam, e poucos, como eu, olhavam as alturas pela janela, imaginando-se mais perto do Céu, próximo ao Criador, a quem tudo pode. No meu caso, fiz-Lhe algumas petições. Confesso que a maioria foi em meu próprio benefício. Pedi-Lhe até para abençoar o joguinho que faria na Mega Sena acumulada, tão logo o avião aterrissasse.

A aeronave voava célere, como uma águia em seus momentos de contemplação. Olhei para baixo. Estávamos sobrevoando o estado da Bahia. Fechei os olhos e pensei: “aquela é a terra de Antônio Carlos Magalhães, senador da República que renunciou ao cargo por envolvimento na violação do painel que consignava os votos secretos dos parlamentares, quando da cassação de um colega. Ele não estava só; acompanhou-o na empreitada uma dessas excelências que habitam o mundo político, hoje deputado federal”, depois de ter igualmente renunciado ao mandato de senador.

Meus pensamentos voavam com a aeronave.

Tornaram-se quase uma visão.

Vi Gil, Caetano, Gal, Maria Betânia, Jorge Amado (em uma nuvem que flutuava sobre o Pelourinho), e até o Popó, exibindo-se para conquistar a mulher que tanto relutou em aceitá-lo como marido.

Deslumbrei-me com as potencialidades minerais e com as belezas naturais indescritíveis; horrorizei-me com os grotões de pobreza, as palafitas e as favelas ornamentadas por esgotos fétidos e insalubres; notei, também, que a miséria secular não tem sido enfrentada com obstinação; que o povo continua pobre, miserável, pouco assistido nas áreas de saúde e de segurança; a renda é mal distribuída; os políticos permanecem mantendo os seus “currais eleitorais”, locupletando-se, elegendo seus parentes e amigos, perpetuando-se no poder, herdando-o como fazem os filhos com os bens deixados pelos pais.

Estava absorto em minhas observações íntimas e na minha visão quase apocalíptica, quando ouvi a voz do comandante anunciando o pouso no Aeroporto Internacional dos Guararapes, em Recife. Nem me apercebi que cruzara as fronteiras dos estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco.

Era tudo a mesma coisa.

Onde nasce um político, morre a honestidade!

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