quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O caminho das pedras (crônica)

Aposentado que se preza, conta com volumoso arquivo de recordações para consultá-lo nas horas ociosas, que por sinal correspondem ao dia inteiro.

São intermináveis minutos passados sem ocupar a mente, vazia de idéias e cheia de lembranças, algumas dignas de orgulho, outras de arrependimento.

Sou um desses desocupados.

Parei de trabalhar depois do quinquagésimo terceiro aniversário, com mais de trinta anos de contribuição previdenciária. Aposentei-me por invalidez. Segundo a Lei, e de acordo com a perícia médica, não tinha mais vigor físico para o trabalho. Cardiopatia grave foi o diagnóstico que motivou minha inatividade precoce.

Para ocupar o tempo, ver o dia passar sem muita angústia, leio e escrevo. Leio mais, porque escrever é difícil. Há quem pense o contrário. Escrevo quando estou inspirado, o que é uma raridade. Lamento não fazê-lo menos espaçadamente, pois as idéias são escassas, as expressões vulgares e a inteligência curta.

Hoje é um desses dias.

Quero escrever e não consigo.

Nada me vem à cabeça.

Sem assunto, questiono: escrever sobre o que?

Sobre os políticos? Ah, o assunto está muito batido, tornou-se enjoativo e me deprime lembrar as denúncias de corrupção contra essa gente desonesta. A maioria é um bando e ladrões que assalta os cofres públicos, aos olhos da Justiça, cada vez mais cega. Fico irritado por não vê-los punidos, pagando por seus muitos delitos.

Futebol? Também não é minha seara.

Religião? Aprendi que não deve ser discutida, pois dificilmente se chega a um acordo.

Arte e cultura? Não tenho conhecimento suficiente.

Então, sobre o que escreverei?

Olho o monitor e vejo o cursor piscar, desafiando minha capacidade intelectual. Por alguns minutos, migro o olhar do vídeo para o teclado e novamente para a telinha.

Nada.

Continuo improdutivo.

Levanto-me, vou à cozinha, como alguma coisa. De tanto repetir esse ato, estou com excesso de peso.

Puxo pela memória envelhecida, sem nenhum resultado. Volto mais tarde ao computador. Ensaio algumas frases, digito-as sem entusiasmo, e concluo que sou mesmo uma nulidade como escritor.

Desisto.

Desligo a máquina e retorno à leitura, admirado da capacidade imaginativa do autor, que me pareceu um gênio. Diferente de mim. A trama é perfeita; a narrativa, escrita em linguagem impecável; o número de páginas…

Como o livro é volumoso!

Tudo contribui para a auto-avaliação de minha insignificância literária.

Finalmente, olho para o computador desligado. O monitor, que há poucos instantes exibia cores vivas e luminosas, agora mostra uma tela negra, como se estivesse de luto pelo meu fracasso.

Retorno à leitura, decepcionado comigo mesmo.

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